terça-feira, 3 de outubro de 2017

“Somos todos esta nau...”


Desde a implantação do Porto Digital, Belarmino Alcoforado visita o empreendimento pela primeira vez e conta sobre as primeiras tentativas de criação de um polo de informática em Pernambuco


Celeide, esposa de Belarmino Alcoforado, fechou um pouco o vidro da janela da sala, vento forte vindo do mar. O marido estava no quarto, adaptado para passar as noites enquanto se recupera das últimas internações em hospital. Em frente à cama está montada a estação de trabalho, com vista para o estuário do Rio Paraíba, Porto de Cabedelo. Mas os olhos de Belarmino estão vidrados em outro porto mais além, o Porto Digital.


Em cima de uma banqueta, na sala, um quadro atrai a atenção pelo colorido e alegria de todos os personagens retratados. Dentro de uma caravela, os passageiros comemoram ao som de sanfona, corneta e violão, e em terra firme, as pessoas aplaudem. “Somos todos esta nau… Salve o Porto Digital!...” A iluminogravura de Romero Andrade Lima foi um presente aos homenageados nas comemorações dos 15 anos de existência do Porto Digital, um dos principais ambientes de inovações tecnológicas do Brasil, ancorado no Centro Histórico do Recife, Pernambuco. Belarmino estava entre aqueles que foram destacados como pioneiros de empresas de base tecnológica do estado. Ao seu lado, contemporâneos como Cláudio Marinho, Jarbas Vasconcelos (ex-governador), que viveram os primórdios desse empreendimento.

- Márcia, - chamou Belarmino. Isso [o Porto Digital] começou muito, muito antes.


A versão dessa história, segundo Belarmino:

Depois que o microcomputador Corisco passou pelas mãos de Belarmino e de Rildo Pragana, a estética exterior e outros componentes que completaram a obra saíram das mãos de outras empresas pernambucanas. O Corisco era um desafio, uma necessidade, uma paixão. Sílvio Calheiros, construtor de barcos em fibra de vidro, fazia as caixas do Corisco. O monitor era projetado por Fábio Maranhão Leal, da UFPE, especialista em tacômetro; na Avenida Cruz Cabugá, o Plínio Araújo, técnico em eletrônica produzia placas de dupla face que não existiam no Brasil.

O jornalista Manoel Barbosa registrou, em "História da Informática em Pernambuco", a existência de cerca de doze empresas criadas no Recife para fornecer peças e componentes para o Corisco, tecnologia made in Pernambuco.

Formamos um ciclo de produção, em 1983, 1984, e eu chamei de “Vale da Areia” - contou Belarmino. Era o vale do nada, onde não tinha nada surgiram empresas de componentes para computação. Esse pessoal inovou, buscou alternativas, contribuiu com o desenvolvimento da informática. Eu não tinha participação acionária em nenhuma empresa, mas incentivava todas. O Corisco vendeu demais, era um computador excelente. Em 1986 fez sucesso em uma feira internacional de computação, no Rio de Janeiro, junto com as empresas do Vale da Areia: Cactus Tecnologia; Promic Projetos e Assessoria Técnica; Global Eletrônica Ltda.; Alternativa Consultoria em Sistemas e Processamento de Dados; Art-Técnica (...) Arte Indústria e Comércio Ltda.; Gênesis Sistemas de Computação Ltda.; além da Corisco e da Elógica Processamento de Dados. Havia ainda a Mactronic Ltda., de George Maciel, na Abdias de Carvalho. Elas ficaram no estande chamado “Por que Pernambuco?”



coriso.IoTatu”, onde as lembranças se encontram

Belarmino montou um grupo em rede social, onde os velhos amigos se reencontraram, o “coriso.IoTatu”. Engana-se que pensa que o nome tem à ver com Internet das Coisas. Significa: I onde Tá tu?

Alberto Vinícius, que era assessor da presidência da Corisco e está no grupo, complementou a listagem de empresas do Vale da Areia:
- Mais três empresas que trabalharam para o "Vale da Areia": Engel dos saudosos Rômulo e Zenildo (vítimas da violência urbana); a Aço Móveis do professor Hélio Tolentino faziam o chassis do Corisco; e a Ponsa que fabricava as embalagens. Um ex lutador de "luta livre", que morava na 'mangueira', acho que o nome dele era Tavares, fez os primeiros moldes do "gabinete". O Vale da Areia , era o no nosso "Silicon Valley".

Joerg Storch, antigo gestor de projetos da Corisco que depois gerenciou a área de serviços de TIC da Elógica, lembrou-se ainda que a Kombi que transportava os equipamentos para feira no Rio de Janeiro, em 1986, incendiou em plena Avenida Brasil!

O colega, Alberto Vinícius, atenuou a tragédia:
- A Kombi não pegou fogo totalmente, um caminhoneiro que passava do outro lado da elevada nos socorreu e apagou as chamas. "Meu garoto" é que ficou meio atarantado e teve que ser puxado de dentro da Kombi. Os "Coriscos" salvaram-se todos. No outro dia a Kombi já estava rodando.

1993, depois do Vale da Areia, Belarmino investe em novo Centro de Tecnologia

Mercado oscilante, período de inflação galopante, planos econômicos, troca de moeda, de política de informática, o empreendimento “Corisco” sofreu intempéries e o Vale da Areia ruiu. Mas a Elógica, empresa de processamento de dados da qual Belarmino também era sócio, se reergueu. Passou a produzir terminais de pontos de venda e impressoras fiscais, além de interconectar em rede sistemas online de empresas em todo o Brasil.

A partir de 1993, no segundo governo de Jarbas Vasconcelos no Recife, Belarmino estava disposto a reestruturar um polo de tecnologia no Centro Histórico do Recife.
- Eu queria ocupar o Recife Antigo, o lugar que eu mais gostava na cidade, onde ficava a “zona”; onde eu mais farrei, estudante, comunista – confessou Belarmino. Os melhores cabarés. Nos anos 1990 dava uma tristeza andar por lá. Sujeira, abandono e marginalidade. Eu queria comprar o prédio da Western, no Recife Antigo. Estava abandonado, desmoronando. Em uma das laterais, planejava abrir uma garagem, mas o Patrimônio Histórico não permitiu. Eles não deixaram fazer nada. Mivacyr, meu sócio, insistia para que eu abandonasse a ideia, era um prédio todo adaptado para telefonia e daria um trabalho gigantesco para reformar. E eu, que sempre fui teimoso, acabei cedendo. Morreu. Desisti.

A Western Telegraph Company Limited operou no prédio, construído em 1908, de número 71 da Rua da Guia, perto do Marco Zero, até 1973. Hoje é Paço do Frevo, um museu cultural.

- Já que não deu naquele local, tentei o Matadouro Municipal de Peixinhos – continuou Belarmino. Um pedaço do prédio histórico, de mil oitocentos e setenta e poucos, estava caído. Eu queria reformar só aquela parte caída, um galpão no meio do conjunto; falei com Cláudio Marinho, ele era do Condepe [Conselho de de Desenvolvimento de Pernambuco], tentou por todos os meios sem conseguir liberação, até que precisou viajar e passar um tempo fora.

Depois de três ou quatro anos, quando ele retornou, fiz um passeio com ele no prédio da Western; tudo abandonado. Fomos ao Matadouro, o que tinha de pé, caiu de vez. Depois fomos no Centro Empresarial de Informática que construí, em Peixinhos, Olinda. Três andares, com auditório, rede em fibra óptica, agência dos Correios, toda infraestrutura pronta para acolher cerca de vinte empresas. A Elógica e o Corisco já estavam lá. O imposto municipal era 3% menor do que cobrava a cidade do Recife, sem flexibilidade de negociação, apesar das inúmeras tentativas.

Belarmino diz que o Vale da Areia ficou oculto em Peixinhos: “O mundo gira. A Lusitana roda” - falou, lembrando do slogan da empresa de mudanças… O empresário abriu o primeiro provedor de Internet de Pernambuco, o Internet Elógica; criou serviços de transmissão de dados em rede…
No ano 2000, o Porto Digital foi instalado no Bairro do Recife, com a premissa estatuária de revitalização do patrimônio histórico a fim de reacender a vivência íntegra no local – além, obviamente, das finalidades na área tecnológica. Passaram-se 15 anos sem nunca Belarmino ter ido conhecer o empreendimento, até o dia em que Francisco Saboya, diretor-presidente do Porto Digital, telefonou convidando-o para as comemorações de 15 anos.
- Fiquei emocionado.

Belarmino é um dos passageiros da nau. “Salve o Porto Digital”!


Na década de 1980, inicia movimentações em torno de um Polo de Informática no Recife

O jornalista Manoel Barbosa registra tentativas de organização de polos de informática em Pernambuco desde os anos de 1980 e 1990. No período de 1979-1982, o governador Marco Maciel compreendeu a importância da criação de um Polo de Informática em Recife e deferiu atenção ao desenvolvimento do setor em Pernambuco. O secretário de Administração, Paulo Agostinho Raposo, pretendia trazer para o estado os benefícios da Política Nacional de Informática – tempos de reserva de mercado, incentivo à indústria nacional – até então direcionada apenas para o Sul do País.

A primeira notícia tornando pública a intenção foi dada na ocasião da inauguração da sede da Sociedade dos Usuários de Computadores Eletrônicos e Equipamentos Subsidiários (Sucesu) divulgada no jornal Diario de Pernambuco de 29 de dezembro de 1979. Desde então, o secretário e Adson Carvalho, o presidente da Sucesu-PE, proclamavam a implantação do Polo de Informática no Recife aos quatro ventos, conforme é possível acompanhar pelas notícias no DP até 1984, disponíveis em acervo digital.

Em 1981 foi formada uma comissão para avaliação e planejamento do processo e o governo instalou, por decreto, um grupo de trabalho. Nos anos seguintes, os integrantes anunciavam a intenção de indústrias do Sudeste para instalarem-se em Pernambuco: Cisco, Cobra, NCR do Brasil…

Ainda em 1981 houve a formação do Centro Latino Americano de Desenvolvimento da Informática (Cladi), um centro regional cuja sede era no México. Segundo Adson Carvalho, o Cladi iria fortalecer o Polo de Informática, além de promover a pesquisa (DP 09/7/1981). Com recursos da Unesco, Subin (órgão da Secretaria de Planejamento da Presidência da República) e do governo estadual, o Cladi foi instalado em sede própria, mas a comunidade de informática não interagiu com o projeto e, gradativamente, foi desativado. Da mesma forma, o Polo de Informática, não se concretizou naquela época. Por outro lado, surgia o “Vale da Areia”.

Em plena ascensão do Vale da Areia, no segundo governo de Miguel Arraes (1987-1990) estruturou-se o Sistema Estadual de Informática e Processamento de Dados, com a missão de “implantar núcleos computacionais nos órgãos de administração direta e indireta.” O Cladi foi alterado para ser a Fundação da Empresa de Fomento de Informática do Estado de Pernambuco (Fisepe) para disseminar a cultura de informática no estado.

Longe de julgamentos de mérito, essas iniciativas, somadas à formação de cursos de computação de nível técnico, graduação e pós-graduação e à implacável Lei de Moore, tornando os computadores cada vez mais acessíveis, marcaram a forte atuação do Recife no setor de informática, atualmente.

Charge de Miguel Falcão
Durante a trajetória profissional, José Eduardo Belarmino Alcoforado assumiu inúmeros riscos. Aliás, o pessoal brincava chamando o microcomputador Corisco de “ComRisco”. O empresário atravessou dezenas de crises. Entre a pior delas, a venda do provedor de Internet Elógica, o que, tal como reconhece, o levou a desenvolver um câncer. Belarmino superou tudo, sem jamais perder a piada. E, olhos fixos no Porto Digital, assume mais um risco em sua carreira: o “Artesão Digital”. É o sangue Corisco que pulsa.


terça-feira, 19 de setembro de 2017

Status atual do "Último Corisco" em 19 de setembro de 2017

Em 2016, Belarmino, na sala "Corisco", no prédio da Elógica
A primeira vez que entrei no escritório de Belarmino Alcoforado, na Elógica, foi em outubro de 2016, para entrevistá-lo. Era repleto de coisas por todos os cantos, em cima das mesas, das cadeiras, pelos cantos, no chão. Placas de rede, partes de caixinhas de MDF, peças, cabos, quadros. Ele saiu para me receber no estacionamento e, antes de qualquer coisa, mostrou a “Artesão Digital”, empresa para a qual se dedicava, então. Cortes à laser, personalizados, em chapas MDF, conforme projetado no programa Corel Draw. Um catálogo de produtos era o portfólio para encomenda: fabricação de produto e venda. Fomos conhecer outro empreendimento, o “LivroRápido”, uma editora por demanda, para pequenas ou médias tiragens. 
A conversa que eu planejava ter com Belarmino naquele dia não seria sobre o presente, mas sobre o passado. Sintetizava-se em uma palavra: “Corisco”, o primeiro computador pessoal totalmente produzido no Norte e Nordeste, colocado à venda em 1983. O entrevistado surpreendeu-me com histórias de computadores ainda mais antigas. Aos 21 anos, em 1968, ele operou um mainframe Burroughs, instalado na Equipe Planejamento e Assessoria, um bureau de processamento de dados em Recife.
O nome “Corisco” vinha abaixo de “Belarmino Alcoforado”, na placa de identificação pregada na porta do escritório. Ali pulsava, ainda, o coração do temido cangaceiro, fonte infindável de ideias e inovações.

Mucky Telly Savalas
Quase um ano depois, retorno ao local e quem vem ao meu encontro é Mucky Telly Savalas. Um descendente de polonês, robusto e careca tal qual o Kojak, o famoso detetive do seriado americano dos anos 1970. Mucky é apelido; Telly Savalas foi por minha conta. Seu nome de fato é Erharrd Cholewa Júnior. Trabalha há mais de 25 anos com Belarmino e está à frente da nova Artesão Digital em Pernambuco; a empresa mudara o foco. Transformou-se em uma emergente empresa de software, voltada para o artífice. O produto final não é mais seu objetivo e, sim, o processo de produção.
Como explicou Mucky Telly Savalas:
- Depois de alguns anos com a Artesão Digital, observamos que a maior dificuldade para os artesãos está em fazer o projeto. Qualquer peça, qualquer móvel, para ser cortado, precisa de um “roteiro” com as medidas de cada peça, encaixes, se tiver, prateleiras, etc. Com esse projeto em mãos, o artesão pega uma serra tico-tico, um metro e corta a folha de MDF. Quem investiu um pouco mais e tem uma máquina de corte à laser, insere pelo computador as medidas ou planta do projeto na máquina e ela faz o trabalho. É aí onde vai entrar a nova Artesão Digital.
O software que Francisco, sobrinho de Belarmino, e ele mesmo (no início) estão construindo irá transformar em planta a peça ou o móvel que a pessoa está imaginando ter. Personalizado. O cliente entra no site, escolhe um artífice na localidade onde mora, insere as medidas da peça a ser feita e o software entrega para o artífice a planta do produto com as medidas e o formato de cada parte. Se o artífice tem um equipamento à laser, basta encaminhar o arquivo e “paunamáquina”.
Essa é a nascente ideia a ser desenvolvida. Segundo Mucky e Francisco, a etapa mais custosa e difícil para o artesão, o projeto, será suprida pelo programa que já tem nome: “Mosaico”. Os testes, as provas, o desenvolvimento de código são feitos, por enquanto, no prédio da Elógica, em Peixinhos, bairro de Olinda que faz divisa com Recife.
Contudo, a plaquinha não está mais na porta da sala. O “Corisco” se mudou para João Pessoa em janeiro, de onde impulsiona as ideias. Propulsão sanguínea e de alma. Belarmino recupera a saúde aos poucos, mas jamais perdeu a capacidade criativa e inovadora.

Estágio atual do projeto “o Último Corisco”:
- Captação de recursos – investimentos para a arrancada inicial.
- O fator empreendedorismo social é, sem dúvida, premente.
- O ineditismo é. Ponto. Inédito!
- Para quem? Especialmente, para o artífice. De onde uma cadeia produtiva será beneficiada tecnologicamente, desde o cliente.

“Zorba: final satisfatório, de qualquer maneira!” (Palavras que sairiam da boca de Belarmino!)

O primeiro peteleco do Último Corisco

Antes de ser conduzido à sala de cirurgia para colocação da sonda gástrica, J.E.B.A. fez questão de ser fotografado com a “farda” de combate no campo de batalha: touca, camisolão e as devidas conexões vitais — sonda nasal, soro e medicamento. Na hora em que a equipe médica do Hospital Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa, estava pronta, Belarmino registrava no notebook a seguinte posição (transcrição literal):
“Hoje, estou escrevendo para tornar pública uma decisão que tomei ao sair da UTI do HNSN 22/08/2017, após dois dias de uma UTI super equipada e eficiente no meu Estado da PARAÍBA.
Mesmo assim, um ambiente depressivo, acachapante e liquidante, me fez tomar uma decisão na vida.
Após um escândalo na UTI no dia 21, onde destratei um Fonoaudiólogo que me deixou sem alimentação, passei a noite no quarto sem dormir e amanheci decidido tomando decisões:
Pedi desculpas ao pessoal da UTI e ao fonoaudiólogo.
Colocar uma sonda nasal que 10 dias antes tinha recusado terminantemente à família e a equipe do Dr. (Jesus de Gandara) meu guru do hospital Português de onde tinha obtido alta no dia 15/08/2017.
Chamei a jornalista Marcia Dementshuk e no mesmo dia (22) acertamos uma empreitada sobre “O Último ComRISCO”:
Curto e grosso: até o dia 30/06/2018 chegar a dois finais possíveis:
Sucesso:
Obter uma injeção de Capital numa empresa que se chamará Empuxo de um valor entre R$ 3 a 5 milhões de reais;
Desastre: Não chegar lá;
Encerrar a carreira de 50 anos.
Não deu para terminar. saindo de maca.
Voltei da cirurgia.
Tudo bem, projeto continua.
Emídia, Alcídes, Gerino, Ítalo:
Gostaria que o desastre ou sucesso do último COmRISCO contasse com o apoio do porto digital. Peça para Chico Saboya me ligar segunda-feira.
Finalmente: A cada dia no blog da Márcia Dementhusk sairá relatos a partir do andamento do projeto. Também sairão flashs sobre momentos das empresas que criamos e de minha vida pessoal.
Se for um desastre veja o final do filme “Zorba — o grego”. Vou comemorar.
Abs, Belarmino.
No dia em que saiu do hospital, 28 de agosto, Belarmino enviou um e-mail para o diretor-presidente do Porto Digital, Francisco Saboya, informando seus planos e solicitando apoio para aquilo que chamou, à princípio, de “Último Projeto”. Saboya está à frente do parque tecnológico desde 2007 e conhece bem o modo intenso e inventivo da atuação de Belarmino. Dois dias depois, responde a mensagem, comunicando que estava em viagem à China e retornaria dia 11 de setembro, a partir de quando daria plena atenção ao Último Corisco: “Será uma grande satisfação ter você aqui entre nós”.
Maravilha, o foguete aquecendo os motores. Márcia já estava registrando a jornada em terras paraibanas. Faltava um contato no Recife, com aptidão para registrar o andamento do projeto naquela cidade. Emídia Felipe. Jornalista e empreendedora na EuEscrevo. Belarmino a conheceu no início deste ano, quando ela gravou depoimentos para um projeto do Softex Recife sobre o setor de Tecnologia da Informação em Pernambuco. Missão aceita, agora é hora de fazer a colimação, como diz Belarmino. Estamos mirando no alvo. Acertaremos ou não?
Hoje é 11 de setembro
Vale muito a lembrança. Em 2001, o bode com um chifre insigne entre os olhos prevaleceu sobre o carneiro de dois chifres, um mais alto do que o outro. Estudiosos anunciaram o cumprimento da profecia bíblica do livro de Daniel, profeta do Antigo Testamento, quando duas aeronaves foram sequestradas e arremessadas contra as torres do Trade Center, nos Estados Unidos.

Duras lembranças daquele 11 de setembro. Foto: Wikimedia
O terror se instalava nos lares americanos e deixava perplexas outras nações. Nessa época, Belarmino discorreu, a partir do episódio, sobre uma nova ordem virtual. Escreveu em “Carcinha — a Biografia a ser publicada”, texto concluído em 2003:
“Inicio pensando sobre o 11 de setembro. O poder de fogo de um pequeno grupo para sequestrar e jogar aviões contra prédios símbolos do poder.
Lembrei-me dos anos 70, de Hermann Kahn, um gordo de 200 quilos, do Instituto Remington, na época da Guerra Fria. No auge dos sequestros de avião, Hermann sugeriu ao presidente dos Estados Unidos: derrube o primeiro que for sequestrado que, com alguns derrubados, os sequestros encerram. Israel adotou a solução e não contempla com terroristas. O Brasil adotou parcialmente e metralhava os trens de pouso de qualquer avião sequestrado.
Mas a minha pergunta vai na seguinte direção: Já pensaram no terrorismo de feras acuadas de altíssimo poder como os EUA em recessão?
Eu leio todos os livros de Tom Clancy. Com a queda das torres fui buscar em “Dívida de Honra” e “Ordens do Executivo” a viabilidade. Eu não acreditava na ocorrência de 11 de setembro, mas o Tom Clancy colocou um personagem piloto de um 747 que se joga contra o congresso americano matando o presidente e a maioria dos congressistas.
(…)
A sociedade capitalista tem como pressuposto básico o contínuo processo de criação/destruição do estabelecido. Hoje você compra um Celta pela Internet. Como a lei brasileira protege o revendedor, o Celta tem que ser comprado na concessionária. Claro que a GM gostaria de vender o Celta direto a você. A esta altura toda uma engrenagem se move financiando senadores e deputados para mudar o estabelecido.
Vai chegar um dia em que o cartório do revendedor de automóveis será rompido. E também vai chegar um dia, como ocorreu com a IBM, com os seus 450 mil empregados reduzida a 250 mil. Isso está num livro chamado “Deep Blue”, gente se suicidando…
Minha opinião resumida sobre o 11 de setembro é que haverão outros, inclusive novos sequestros de aviões.
(…)
No lado da informação: quando eu comecei a empresa de software e processamento de dados Pitaco, em 1976, computador valia 400 mil dólares e agenciar informação era uma fortuna; hoje estão nas mãos de todo mundo. O boato corre rápido, mas o desmentido também. É o problema da velocidade relativa.
(…)
O olho da tecnologia é muito útil no controle da criminalidade. O perigo é quando o criminoso é mais avançado em tecnologia.
Vamos ter que conviver com a invasão de privacidade. Um dos benefícios do meu câncer foi deixar de tomar remédios para pressão. Diminuí trinta e quatro quilos. Eu tomava um remédio de pressão chamado Tenoretic. O preço do remédio: R$ 40,00. Suponha que, nessa sociedade pós−capitalista, eu vá à farmácia, compre um Tenoretic, com meu cartão de crédito. Nisso eu já deixei meu nome com o dono da farmácia. Ela possui um cadastro da Receita comprado de muamba na Santa Ifigênia em São Paulo. Descobre meu endereço e pode me ofertar o remédio na data.
O poder tem que ser recíproco. As pequenas comunidades têm que montar estruturas de compra de remédios para forçar as fábricas a baixar o preço.
A Internet deixou todo mundo nu. Hoje [em 2003] o laboratório em que se faz exame nos últimos cinco anos manda pro convênio todas as suas requisições e disponibiliza os laudos dos seus exames. Isso é invasão de privacidade?
Quando você contrata o plano de saúde no seu contrato está escrito que tem que pedir a bênção a cada exame. Vamos olhar de novo o lado segurança. Estamos discutindo uma segurança que já invadiu sua privacidade. (…)
O ditame mais apropriado para os tempos atuais é: Temos que nos acostumar a andar nus.
(…) Esse lado segurança está hoje [2003] mais divulgado, mas o seu banqueiro sempre soube como andavam as suas contas.
O homem, como uma empresa, tem função social, existem leis, as leis vão ter que ser mudadas, os prontuários das carteiras vão tornar você mais vulnerável, mas eliminarão também muita fraude. Tudo tem o seu obscurantismo e o seu iluminismo. Siga o caminho do dinheiro, lá sempre está o vencedor.”

Embora escrito há quase quinze anos, tanto o sinistro jogo de poder do terrorismo, quanto a polêmica da privacidade, potencializada com a Internet, continuam em amplo debate em nações pelo mundo.

Também na pauta, essa restrita à J.E.B.A. e apontando para um futuro próximo, está o último projeto a ser remetido ao Porto Digital.

*Colaboração especial de Emídia Felipe neste texto.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

O ricochete do cangaceiro


Há vários meses Belarmino tem sofrido com uma intercorrência de pneumonia aspirativa. Quando voltou a morar em João Pessoa, em janeiro de 2017, tinha surtos de febre. Desde o ano passado a alimentação era pastosa ou líquida, por ter dificuldade em mastigar e engolir, consequência das fortes sessões de radioterapia, na época em que combateu o câncer. Por volta de abril, tratou uma pneumonia em casa e foi curada. Mas em junho e julho, sofreu outra infecção nos pulmões e teve que ser internado. Foi para o Hospital Memorial São Francisco, montou um escritório, onde trabalhou por onze dias. Aluguel caro: quarenta mil reais. Sem plano de saúde, resolveu acionando suas economias.
Ao se despedir daqueles a quem cativou em pouco tempo, o médico Italo Kumamoto, fundador do hospital, veio cumprimentar-lhe. Belarmino falou-lhe, sinceramente:

- Doutor Kumamoto, eu sou empresário há mais de 40 anos e uma empresa tem que ter alma. Alma é a equipe; e sua equipe é nota 10. Mantenha a alma de seu hospital.

O depoimento foi postado no Facebook e, rapidamente, mais de 80 pessoas deixaram mensagens. Desde 1976, quando montou sua primeira empresa, Belarmino teve cerca de 4.500. Jamais sofreu uma questão trabalhista.

Elogio e cacetada, por merecimento.

Em 1983 Belarmino montou a primeira revenda de microcomputadores do Norte e Nordeste, a Elógica Micro Sistemas Ltda. O nome foi sugestão do sócio Antonio Dieudoné Pascoal Camargo, parceiro desde 1981. Outro que andava lado à lado, no bando, era Mivacyr Meira Lima, pessoa fundamental na trajetória empresarial de Belarmino, por mais de 35 anos.
Arquivo pessoal de J.E.B.A.
Eles alugaram uma casa vizinha de outra empresa de Belarmino, na Rua da Hora, 88, no Bairro do Espinheiro, em Recife. Reformaram em tempo recorde, inauguraram com pompa e circunstância e montaram uma escola só para cursos de informática, onde podia se encontrar turmas para crianças.
Um dos produtos da loja eram os microcomputadores da Brascom Computadores Brasileiros. Fundada em 1980 e adquiriu autorização da Secretaria Especial de Informática (SEI) para começar a fabricar micros em 1982.
Certa vez, a Elógica comprou um grande lote de micros BR-1000, que já estavam praticamente revendidos. Pagou, mas “quase” não recebeu a encomenda. Uma história que Mivacyr se divertiu ao lembrar:

- Depois de nos ter vendido uma boa quantidade de computadores, através do sr. Manfredini, o gerente para nossa região, o dono da Brascom, Sr. Jorge, anunciou que ia fechar a empresa por dificuldades financeiras, (gastou o dinheiro de forma não muito legítima, pelo menos se comentava nos corredores da Brascom). Ora, a empresa sendo dele mesmo, claro, ele podia fazer o que achasse melhor; mas tinha que dar alguma condição aos clientes compradores daqueles equipamentos, ou seja, nos fornecer peças de reposição ou pelo menos os endereços dos seus fornecedores nos Estados Unidos. O Sr. Jorge negou.
Belarmino mandou comprar duas passagens, corujão, e fomos a São Paulo. A coisa engrossou e no gabinete do "importante" Sr. Jorge. Belarmino partiu pra cima, ao ponto de querer jogar um enorme aquário. Imagine eu, baixinho, no meio dos dois sem nada conseguir com este meu físico!

Belarmino não perde a chance de completar:

- O governo havia feito uma grande desvalorização do dólar. A inflação era galopante. Chegamos pela manhã na luxuosa sede da Brascom, no Morumbi, ao lado da Kodak. O dono chegou ao meio dia. Nos atendeu junto com a diretoria às 14 horas. Levantei na suntuosa sala e fui dizendo: “Você vai me entregar as máquinas, ou vou lhe encher de porrada.” Fui na sua direção e ele começou a me falar de educação. Eu estava decidido. Alguns diretores tentaram se levantar, eu dei um berro e botei a mão no bolso imitando uma arma. Continuei, dei mais alguns passos e ele disse: “Entrego na saída”. Táxi. Aeroporto. Recife. Todos meus clientes foram atendidos.


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Fontes: Depoimentos de dona Celeide, esposa de Belarmino; Mivacyr; e Belarmino. “Carcinha – a biografia a ser publicada”. “A reserva de mercado na área de informática da década de 70 / 80”. Reinaldo Bogomolow. Dissertação. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 2006.

sábado, 2 de setembro de 2017

Belarmino fala sobre o Unix.


Não se pode dizer que o Unix foi desenvolvido de uma hora pra outra. Mais correto encarar que ele nasceu de um software para outro. O embrião começou a germinar em 1965. Um grupo de desenvolvedores da AT&T (Laboratórios Bell), da General Electric (GE) e do MIT (Massachussets Institute of Technology) começaram a trabalhar num sistema para várias pessoas poderem acessar um mainframe. A computação era assim: havia uns poucos grandes computadores centrais. Eles eram compartilhados entre usuários ligados a terminais que só tinham utilidade operando junto ao mainframe. Um processo conhecido por time sharing.
Esse grupo criou o Multics que chegou a ser implementado, mas se desfez. A Bell saiu em 1969; no ano seguinte a GE foi vendida para a Honeywell, que seguiu operando. Depois o sistema foi distribuído pela Bull.
No Laboratório Bell, Ken Thompson persistiu simplificando o conceito original e reescreveu o código. Chegou ao Unics. Um colega, Brian Kernighan, sugeriu que fosse, então, escrito “Unix”. Nesse período, ainda no Bell, outro grupo desenvolvia a linguagem C e um dos desenvolvedores, Dennis Ritchie, com Ken Thompson, reescreveram o Unix usando a linguagem C, em 1973.
Muita água rolou e, em síntese, a AT&T começou a licenciar o Sistema Unix para os computadores fabricados pela Digital. A linha PDP saía com o sistema de fábrica.Belarmino eslarece:
- Foi tanto o sucesso do PDP, e tão avassalador o avanço, que a Senhora [AT&T], vendo-se acuada, licenciou sua virgindade a algumas Universidades. De cada Universidade saía versões adaptadas: Bekerley, Stanford, universidades no Canadá, etc.
No Brasil, ditadura, a Digital aportou no início dos anos 1970. Seu presidente era Fred Waked ex-colega da Burroughs. A Digital concentrou esforços para vender nas nascentes  empresas de processamento de dados estatais e em todos os “Brás”.
Tinha opções suas de sistema operacional proprietário, mas o imbatívelUnix com o C estava proibido pela reserva de mercado.
Para Resumir, o professor Linaldo Cavalcante e a equipe da Universidade Federal da Paraíba, pessoa de minha admiração, importou dois PDP-11 e deixou a Digital Brasil a chupar chuchu.
Mas faltava o Unix que só a Digital vendia sob licença da AT&T. E comprar como, se era proibido pelo governo, além de caro?
Em 1980 eles deram um nó na cobra e trouxeram um professor canadense com uma cópia licenciada do Unix Original!

Enquanto isso, em Pernambuco...

 
Cliente da Elógica usa um Brascom. Recife,1984.
- Em 1983, inauguramos nossa loja pioneira no nordeste,
Elógica Micro Sistemas Ltda. Vendemos computadores Brascom rodando Linux em Z80 de 64 bits.
Resumindo: Eu apoiei a reserva de mercado até 1988 quando, olhando a gang da Elebra (Rio Grande do Sul), da SID (São Paulo, Mathias Machline), da Cobra (governo) e da Edisa (Porto de Santos), descobri como tentaram sufocar e enganar a todos numa luta inglória de criar chip próprio do AT. (Esse é outro episódio a ser esclarecido em seguida).
Em 1988, depois do famigerado Plano Cruzado, briguei e desci a lenha com gosto de gás em cima do grupo que mantinha a reserva. Esculhambava com tudo. Minha grande amiga e incentivadora Cristina Tavares, ficou muito ressentida comigo. Morreu sem fazermos as pazes. Sinto muito.
Criamos a máquina Corisco rodando um CP/M em máquinas com 256KB (o CP/M só existia para 64 KB) e rodando Mumps, tínhamos o código fonte.
Saímos da crise do Cruzado e crescemos violentamente, sem a benção da Secretaria Especial de Informática (SEI, órgão que fiscalizava a reserva de mercado).
Em 2002 criamos os servidores Corisco e vendemos o maior Mainframe do Nordeste. Mas, é outra história que termina em abril/2002, com a venda da Internet Elógica.