quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Mixórdia na UTI



– Roubaram o Unix. Pode escrever aí – enfatizou Belarmino. O Unix que chegou ao Brasil, versão 7 da AT&T, em 1980, foi trazido por um canadense. Era uma cópia do programa que rodava nos computadores Digital em universidades do Canadá.
– Mas Belarmino – argumentei – as universidades de Toronto e de Waterloo, no Canadá, de onde veio a cópia, tinham um convênio de cooperação técnica com a Universidade Federal da Paraíba. Os professores, em intercâmbio, fizeram uma extensão dos recursos para o Brasil.
– Eu vou repetir: foi roubado. E no Brasil estava proibido entrar software estrangeiro. Reserva de mercado. A história é longa. vou te contar.

Conversamos sobre o Unix no Brasil no primeiro dia em que voltamos a nos encontrar, em agosto de 2017. Conheci Belarmino no ano anterior, depois que entrevistei Hermes Aguiar, um ex-funcionário da Elógica, empresa de processamento de dados de Belarmino. Estava pesquisando sobre a informática e a Internet e Hermes garantiu que a minha fonte era José Eduardo Belarmino Alcoforado, um sertanejo da Paraíba, radicado no Recife.
– Você não vai se arrepender – prometeu Hermes. A história dele é a história da computação, do software, das redes, no Nordeste e no Brasil. Ele tem um pouco de dificuldade para falar, resquícios do combate contra um câncer, há alguns anos. Mas tenho certeza de que ele irá contar-lhe muitas histórias extraordinárias.

Entrei no Hospital Nossa Senhora das Neves (HNSN) aflita. Era agosto, inverno tropical em João Pessoa. Belarmino havia me smartphonado convocando para uma reunião, para começarmos o “Último Projeto”.
– Onde lhe encontro?
– No hospital. Acabei de sair da UTI.
– O senhor vai iniciar um projeto internado?
– Quando você pode vir?
No dia seguinte, oito horas da manhã, procurava por Belarmino pelos corredores do hospital. No quarto, a cama estava vazia. A enfermeira avisou que ele havia ido colocar uma sonda pelo nariz para facilitar a alimentação.
Belarmino estava com pneumonia e desfrutava a terceira temporada em hospitais diferentes, em menos de um mês. A solução seria colocar uma sonda gástrica pela qual poderia se alimentar sem comprometer os pulmões. As infecções eram decorrência forma de deglutição orientada, connduzindo secreção para o pulmão. O médico que o atente há anos, no Hospital Português, em Recife, Jesus Gandara, já havia indicado há pouco mais de dez dias:
– Não coloco nem a pau.
Se a teimosia, marca registrada de Belarmino, contribuiu para ele dar passos largos na vida, dessa vez seria diferente:
Hello
Agosto, 2017, HNSN
– Anteontem, na UTI – contou-me, já acomodado em frente ao seu computador, no quarto do hospital – fiz uns exames porradas. Um fonoaudiólogo se aproximou, perguntou-me algumas coisas, saiu sem dizer nada e suspendeu minha alimentação. Eu perguntava e ninguém dava uma explicação; até que um enfermeiro me disse que eu não podia me alimentar porque estava em avaliação. Eu dei uma esculhambação de baixo calão na UTI, que movimentou a unidade. Um escândalo, chamei o povo de incompetente pra baixo. A médica foi firme e não me alimentou. Apenas me liberou para o apartamento. Passei a noite pensando. De manhã, eu disse: “Eu errei, bote a sonda”. Chamei a assistente social, falei da merda que eu fiz; disse que queria pedir desculpas a todos em público; vi que estava errado. A prova disso é que estou de sonda.
Assim que se recuperou da cirurgia para a colocação da sonda gástrica, Belarmino voltou para onde escolheu morar atualmente, um apartamento em Intermares, município de Cabedelo, vizinho a João Pessoa. Ele me chamara às pressas, ainda no hospital, pelo timing. Estava em tempo de iniciar o Último Projeto.
– Aqui está: UP. Envolve tecnologia, IoT, mas, acima de tudo, é um projeto social. Objetivo curto e grosso: até o dia 30 de junho de 2018, chegar a dois finais possíveis:
Sucesso: Obter uma injeção de capital numa empresa que se chamará Empuxo de um valor entre R$ 3 a 5 milhões de reais;
Desastre: Não chegar lá. Encerrar a carreira de 50 anos. No desastre comemorarei como um ícone do meu tempo, Zorba o grego. 

Sobre o Unix? Belarmino contou. Veremos a seguir.